Cidinha da Silva no Polifonia Periférica
Em um sábado de inverno de calor muito agradável, encontrei Cidinha da Silva no aniversário do Sarau “O que dizem os umbigos” na zona leste de São Paulo. Lá ela divulga seu trabalho nos enchendo o peito de alegria com suas prosas. Nada prosaica, mas prosadora Cidinha conversou comigo a respeito de uma problemática “milenar” na literatura brasileira: A carência/ausência de escritoras. No que ela me compreendeu em ar sereno: “Há escritoras sim.”
Por vê-la em outros saraus e também conhecê-la pela repercussão de seu trabalho majestoso, convidei-a, para uma entrevista no Polifonia Periférica, na qual ela aceitou e nos fala sobre suas obras e o seu cotidiano literário.
Polifonia Periférica: Obrigada Cidinha pela entrevista. Gostaria que você nos falasse como é a dinâmica de uma artista de literatura marginal. Concentra-se em saraus sua presença e o seu trabalho?
Eu não integro o movimento da Literatura Marginal. Sou uma escritora que tem muitos amigos nesse movimento e que tem interesse pelo público que gravita em torno dele: jovens negros, artistas periféricos, ativistas da cultura, gente com uma consciência político-social que dialoga com minha produção literária. Os saraus são espaços que venho visitando para marcar minha volta a São Paulo, bem como para por minha obra em circulação. A circulação/divulgação é um dos aspectos do meu trabalho literário cotidiano, mas há o mais importante que é ler muito, sempre, escrever, reescrever e publicar.
P.P: Citei na questão acima o termo “Literatura Marginal”. Como você descreve essa literatura?
A Literatura Marginal é marcada pelo espaço geo-político-afetivo da periferia. O pertencimento a esse espaço é fundamental para definir a obra das escritoras e escritores periféricos, que têm trazido para a cena principal vozes fortes e posicionadas, que exigem ser ouvidas e respeitadas.
P.P: Seus trabalhos perpassam por vários gêneros literários: Novela, romance, conto, crônica. Há preferência por algum gênero? E a poesia?
Eu gosto da prosa, em geral, e o texto é quem diz se quer ser crônica, conto, novela… estou me preparando para escrever romances adultos (já escrevi para crianças e adolescentes). A prosa sem poesia não tem muita graça e é assim que a poesia entra na minha prosa, como elemento de vitalidade e beleza. Quanto a escrever poemas, acho muito difícil, embora a maioria das pessoas pense o contrário. Escrever um bom poema é algo pra poucos e não me sinto como membro desse grupo. Não me levo a sério como poeta. Os poemas que faço, esporadicamente, não têm a qualidade da minha prosa, não são publicáveis. Tenho me aventurado em um conjunto de letras de músicas para um espetáculo temático, projeto para 2013 e o resultado me agrada.
É sempre difícil falar em obras que nos influenciaram, porque há coisas que nem nos damos conta e estão presentes no nosso trabalho. Na infância e na adolescência li os cronistas mineiros: Drummond, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Quando descobri Machado de Assis na escola, me tornei leitora dele. No final do ensino fundamental li Lima Barreto. Li também muita poesia de Drummond, um pouco de Cecília Meirelles, Vinícius de Morais e Mário Quintana. Depois descobri Adélia Prado e me tornei fã. Edimilson de Almeida Pereira não foi o primeiro escritor negro contemporâneo que conheci, mas foi o primeiro que me marcou, para sempre. Na juventude encontrei escritoras negras como Tony Morrison e Alice Walker, e outras brasileiras como Nélida Pinõn e Hilda Hilst. Mais recentemente Ana Maria Gonçalves e Paulo Lins, dois dos maiores romancistas brasileiros, são autores cuja produção acompanho e estudo. Gosto muito da poesia de Elisa Lucinda, também. A escritora que mais me toca é a moçambicana Paulina Chiziane. A música brasileira me acompanha desde a infância e acho que faço literatura por não saber fazer música. A obra de Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Paulinho da Viola são definitivas e definidoras em minha vida. Quanto ao que leio, leio tudo o que me motiva, me desperta interesse, me emociona ou faz pensar. Estou lendo nesse momento "EmGoma – dos pés à cabeça, os quintais que sou", da Cia Capulanas de Arte Negra e “Corpo a corpo”, um livro sobre performances brasileiras, do Zeca Ligiéro.
P.P: Para finalizar: Havíamos conversado anteriormente sobre a ausência/carência de escritoras em nossa literatura. Como você observa este fenômeno que acontece nas letras, onde despontam de certa forma mais homens que mulheres? Muito Obrigada pela entrevista.
A cena pública, exceto uma ou outra atividade, tem sido ocupada por homens ao longo da História. As mulheres, em geral, não contam com um grupo de pessoas (em boa parte composto por outras mulheres) que dê sustentação a seus projetos e os faça reverberar, como os homens contam. Eles têm uma estrutura sócio-cultural maior e mais ampla que os incentiva a produzir e garante tempo para que o façam. Então, é compreensível que as mulheres apareçam menos, mas nós existimos e, quem desejar nos promover, deve, inicialmente, pesquisar as autoras existentes, ao invés de se acomodar na assertiva falsa de que não há mulheres escrevendo ou não há livros publicados por mulheres. Certamente, aparecemos menos, mas estamos aí, firmes e fortes! Ativas!
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