Vida de gato
Por Cidinha da Silva
O gato se enrosca no pelo da gata
preta, a quem há muito espreitava. Faz juras de amor, exibe dotes de cantor e
de atleta, finalmente a conquista. Ela se delicia, mas não perde de vista os
projetos próprios.
Um dia a gata é aprovada em
concurso público, passa a viver em outro Estado. O gato se frustra. Namorar à
distância é caro, exige mais dedicação ao trabalho. Ele não gosta de trabalhar.
A gata, a princípio, desconsidera a falta de empenho, visita-o com freqüência, mas o trabalho passa
a exigir dela mais e mais, e o gato não se movimenta para vê-la.
Entrementes, o gato preto olha
para todos os lados à procura de uma parceira menos senhora de si. Encontra uma
gata mestiça, mansa, nem tão exigente. Habitante da mesma cidade parece
disposta a amá-lo. Incondicionalmente, como ele precisa. Conquista a gata nova
e esparrama-se em seu sofá. Nada conta à gata preta, mas esta descobre a
deslealdade do gato pelo correio felino e manda-o pastar.
Humilhado, ele pensa vingar-se
com os tons mais claros escolhidos no cartel de cores. Entretanto, a gata
mestiça, à medida que o vai conhecendo, conclui que trabalhar não apetece ao
gato. No histórico recente, pulou do futebol para o rap, flertou com o funk e agora
é pagodeiro. Sempre com o sonho de estrelar uma edição da Caras dos Felinos!
No pagode conhece a gata ideal.
Preta, gringa e bem sucedida. Nem dá adeus à outra gata e conquista a gata nova.
Ele é o príncipe, por quem ela ansiara
toda a vida.
Os dois namoram como gatos no
cio. O esperado, na idade fértil dela acontece, gatinhos à vista. Ela pensa que não pode viver sem ele e agora
com um filho, formarão uma família. Outro sonho realizado. Precisam ficar
juntos. Cumpre levá-lo para a Gringolândia.
No começo, doces são os planos e insaciável
o sexo. O gato preto, encantado com o mundo gringo, precisa de tempo para
adaptar-se. Ela compreende. Nesse intervalo, o gato não trabalha, estuda
gringolês pela TV. Aguarda que reconheçam seu valor de gato especial.
Nasce o primeiro herdeiro e há
notícias de que a gata gringa gesta o segundo. Em silêncio desesperançado, ela observa,
reiteradas vezes, o gato amado rejeitar a ocupação de caça-ratos, que poderia ajudá-la a comprar a ração das crias.
Ele, com dois gatinhos novos em
casa, dá-se conta de que as mordomias de gatão mimado estão diminuindo. A
disponibilidade da gata para o sexo não é a mesma e ele já estuda formas de
miar em outros telhados. Está à espreita de uma gata branca, desprezada pelos
gatões tipo alfa do pedaço. Haja o que houver, está decidido a fincar garras na
Gringolândia.
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