Escritores de periferia têm ponto de encontro em São Paulo


Por Thiago Borges para Infosurhoy.com – 05/09/2012



    O poeta Victor Rodrigues, 22, autografa seu livro “Praga de Poeta” no sarau da livraria Suburbano Convicto, em São Paulo. (Thiago Borges para Infosurhoy.com)
O poeta Victor Rodrigues, 22, autografa seu livro “Praga de Poeta” no sarau da livraria Suburbano Convicto, em São Paulo. (Thiago Borges para Infosurhoy.com)
SÃO PAULO, Brasil – A inglesa Margaret Clarke voltou para seu país com o que há de mais recente na literatura brasileira.
Pesquisadora e professora de português, ela gastou R$ 350 em livros. Mas desta vez na mala de Margaret não entraram autores best-sellers, como Paulo Coelho e Clarice Lispector, e sim escritores da periferia que atuam fora do mercado convencional, como Sacolinha e Cidinha da Silva.
“A literatura marginal é muito importante para compreender o Brasil atual”, diz Margaret, que pretende usar os livros em suas aulas e pesquisas.
Literatura de periferia – ou marginal – é um movimento literário formado por escritores das classes populares, gente que vive à margem da sociedade e escreve sobre o cotidiano de pobreza e violência que vê de sua própria janela.
Os livros “Capão Pecado” (2000) e “Cidade de Deus” (1997), dos escritores Ferréz e Paulo Lins respectivamente, são as obras mais populares da literatura marginal brasileira. Em 2002, o livro de Lins rendeu um filme de mesmo nome dirigido por Fernando Meirelles que acabou concorrendo ao Oscar de 2004 em quatro categorias.
Há apenas uma livraria especializada em literatura de periferia do Brasil, a Suburbano Convicto. Foi lá que Margaret fez suas compras.
“É muito louco saber que a fama da livraria chega a outros países”, escreveu o proprietário, Alessandro Buzo, 39, em seu blog, após a visita de Margaret.
Escritor e produtor cultural, Buzo abriu a Suburbano Convicto em 2007 na zona leste de São Paulo. Após três anos de prejuízo, mudou-se para o segundo andar de um prédio comercial no centro da cidade, onde também vende roupas, CDs e DVDs de artistas da periferia.
A livraria tem 1.200 títulos disponíveis, mas fica vazia durante quase toda a semana e, com frequência, termina o mês no vermelho.
Mas, nas noites de terça-feira, dezenas de escritores e fãs de literatura de periferia rapidamente lotam a loja para um sarau de duas horas.

Em agosto, ele lançou na Suburbano Convicto seu primeiro livro, “Praga de Poeta”, que tem dez poemas comparando os rumos do mundo com as dez pragas do Egito.Foi num desses saraus que Victor Rodrigues, morador de 22 anos do bairro periférico de A.E. Carvalho, na zona leste, ouviu o “chamado” para ser escritor.
“Muitas pessoas têm nos saraus a única chance de mostrar seu trabalho”, diz Rômulo Augusto da Silva, 33, rapper do Grajaú, distrito pobre na Zona Sul da cidade, que apresentou seu primeiro álbum solo na Suburbano Convicto.
Outro frequentador dos saraus da livraria é o cartazista Fabio Boca, 26. Ele descobriu a poesia em 2008, num sarau na periferia de São Paulo.
Em julho, Boca representou o Brasil na Copa Mundial de Slam Poesia, em Paris. Nesta competição, os poetas declamam e um telão exibe as legendas em inglês e francês. Jurados dão notas para os competidores.
“Num dia, eu estava na minha ‘quebrada’ (bairro), tomando cerveja no bar do Zé, e no outro estava embaixo da Torre Eifel”, recorda Boca, que vive no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.
Contra a “brutalidade da periferia”, Evandro Lobão, 37, faz a plateia rir com seus poemas. Ele começou a escrever aos 8 anos e atualmente se prepara para lançar seu segundo livro.
“Antes eu escrevia de forma radical, dura. Hoje, escrevo para divertir e informar as pessoas”, diz.
A Suburbano Convicto está longe de ser a principal fonte de renda de Buzzo.
Conhecido na periferia pelos livros e eventos que promovia, Buzo foi convidado em 2008 para conduzir um quadro num programa da TV Cultura, emissora pública do estado de São Paulo, sobre cultura na periferia.
No ano passado, a maior emissora do país, Rede Globo, o contratou para fazer o mesmo quadro num telejornal de São Paulo. Essa é a principal fonte de renda de Buzo.
Itaim Paulista, distrito pobre com 224.074 habitantes da zona leste paulistana, é onde Buzo nasceu e vive até hoje. Aos 13 anos, interrompeu os estudos e foi trabalhar como office-boy para ajudar a família.
Em 1999, na viagem de 70 km entre Itaim e o Centro de São Paulo, ele presenciou um quebra-quebra nos trens que servem a região. Era um protesto dos usuários contra as péssimas condições do sistema.
Sem computador, Buzo começou a escrever em um caderno os problemas enfrentados no transporte coletivo. Em 2000, a ficção “O Trem” ficou pronta, mas nenhuma editora aceitou publicar a obra.
Buzo juntou R$ 3.000 e pagou a impressão de 500 exemplares.
De lá para cá, ele publicou outros nove livros e participou de cinco coletâneas – inclusive uma em francês. Em 2013, o escritor quer lançar seu primeiro livro em espanhol.
“É um processo natural”, diz ele. “Cante sua aldeia e cantará o mundo.”

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