Sobre o poeta Salgado Maranhão




Deu na Folha de São Paulo
MINHA HISTÓRIA SALGADO MARANHÃO, 58

Massagista da alma
(...) Se não tivesse passado dificuldades, não teria feito poesia.
(...) Um dia descobri Fernando Pessoa. Nunca mais fui o mesmo.
(...) A poesia me deu voz, identidade, me resgatou do nada.

MARCO AURÉLIO CANÔNICO

DO RIO
RESUMO Vencedor do Jabuti de poesia em 1999 e do Prêmio da Academia Brasileira de Letras em 2011, o mara nhense José Salgado Santos, 58, o Salgado Maranhão, será tema de uma exposição a partir de terça na Casa das Rosas, recontando sua trajetória, da infância pobre e iletrada ao destaque como compositor e poeta, passando por uma carreira de massagista de famosos.
Eu nasci no interior do Maranhão, em Cana Brava das Moças, numa fazenda que vinha desde a época das feitorias, uma grande extensão de terra, da família do meu pai.
Minha mãe era uma camponesa, por isso eu digo que sou a mistura desses dois lados, casa-grande e senzala.
Eu fui criado longe do poder político e econômico do meu pai. Minha mãe era muito orgulhosa, não queria pensão, não valorizava isso, valorizava cultura. Fomos morar em outra região, ela me criou como um camponês qualquer, lutando na terra.
Foi justamente essa história acidentada que me trouxe o interesse pela arte. Nós passamos muita dificuldade, mas, se não fosse isso, eu não teria feito poesia. A poesia precisa de confrontos reais.
Minha mãe era muito ligada à cultura popular. Nesse ambiente de cultura africana, da literatura de cordel, fui gestando um interesse pela arte e pela poesia, mesmo sem educação formal.
Quando eu saí para Teresina, no final de 1968, aos 15 anos, completei minha alfabetização. Trabalhava vendendo imagens de santos na rua. Nesse trabalho, descobri a biblioteca pública e tirava um tempo para ir lá e ler, justamente na seção de poesia.
Um dia abri um livro cuja capa era vinho e verde, as cores da bandeira de Portugal, e que tinha um poema que dizia: "Que sei eu do que serei/ Eu que não sei o que sou?/ Ser o que penso?/Mas há tantos que pensam ser a mesma coisa/ Que não pode haver tantos". Era Fernando Pessoa.
Nunca mais fui o mesmo. Descobri que podia falar de mim, da vida, me soltar. Me instigou a escrever. Mas poesia não dá dinheiro, então não podia fazer só isso.
Em 1971, conheci Torquato Neto [1944-1972]. Ele fazia a coluna "Geleia Geral" no "Última Hora" e foi a Teresina para interagir com o pessoal da minha geração.
Ele foi um cara extremamente importante nessa hora em que eu estava mudando de pele. Me apresentou a poesia concreta, sugeriu que eu tivesse um nome artístico, disse que José Salgado parecia nome de arquivista. E disse que meu lugar era no Rio.
Vim para cá na marra, aos 20 anos, de ônibus, com pouco dinheiro. Fiz vestibular em 1974, ganhei bolsa na PUC e fui estudar comunicação, mas não concluí. Queria sair pela vida fazendo poesia, a universidade era chata.
Em 1978, fui um dos organizadores de uma coletânea de 13 poetas, "Ebulição da Escrivatura", lançada pela Civilização Brasileira. Tinha poemas meus, fez sucesso. A partir dela, conheci compositores como Vital Farias, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Ivan Lins. Tive músicas gravadas por Elba Ramalho, Zizi Possi, Ney Matogrosso, por um período não era tão suicida viver de poesia.
Depois, conheci na PUC um padre jesuíta que me iniciou nas artes marciais e nas terapias orientais -acupuntura, shiatsu, quiroprática.
Comecei dando aula de tai chi chuan e trabalhei muitos anos como massoterapeuta, a partir dos anos 1980.
Ganhei uma certa notoriedade e, em 1991, montei um consultório no Club Med de Angra dos Reis [RJ]. Ayrton Senna foi meu cliente, assim como vários banqueiros de São Paulo. O pessoal gostava muito, vivia lotado, ganhei muita grana com isso.
Paralelamente, ia fazendo poesias e publicando. Ganhei o prêmio Jabuti [em 1999] quando ainda trabalhava lá. Fiquei até o fim de 2004. Hoje eu só faço massagem nas minhas namoradas.
Meu livro vencedor do Jabuti, "Mural de Ventos", chegou às mãos do professor Luiz Fernando Valente, da Universidade Brown (EUA).
Fizemos amizade e ele me apresentou um grande tradutor de poesia brasileira, Alexis Levitin, que fez uma versão do meu livro "Sol Sanguíneo" em inglês.
E é em função do lançamento deste livro que eu vou visitar agora 50 universidades nos Estados Unidos, a partir de setembro, passando por Harvard, Yale.
No ano que vem lanço "O Mapa da Tribo", uma nova coleção de poemas, que fala da minha origem no interior do Maranhão, mostra de onde vem a minha história.
A importância dessa exposição [na Casa das Rosas] é mostrar como pode um cara sair de uma situação tão adversa e ser salvo pela arte. A poesia me deu voz, identidade, me resgatou do nada.
Quando você vem de uma classe social muito baixa, praticamente não existe como indivíduo, faz parte de uma massa sem rosto.
A arte tem salvado milhares de artistas.

UM RIO SALGADO: A TRAJETÓRIA POÉTICA DE SALGADO MARANHÃO
QUANDO abertura terça (4/9); ter. a sáb., das 10h às 22h; dom. e feriados, das 10h às 18h; até 26/9
ONDE Casa das Rosas (av. Paulista, 37, São Paulo, tel. 0/xx/11/3285-6986)
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO livre

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