Miss negão
Por Cidinha da Silva
– Amooor, há dias quero te
perguntar uma coisa e sempre esqueço. O que significa essa faixa verde-limão,
alfinetada no seu paletó?
– Ah... faz parte do meu uniforme?
– Como assim Lírio Wagner?
– Ihhh pretinha,
tá nervosa por quê? Faz parte do meu uniforme de segurança, ué.
– Explica isso
direito, não tô entendendo nada. Tira esse ipod
do ouvido e venha aqui conversar comigo.
– Oh pretinha
mandona, mas eu te amo mesmo assim.
– Vamos logo,
sem enrrolação. Todos os seguranças do hospital têm uma faixa “Cheguei e avisei
pra todo mundo” pregada no uniforme preto?
– Não, pretinha
linda. Só eu, o seu negão predileto. Único, melhor dizendo.
– Ai, meus sais.
Não estou entendendo, LW.
– Ih pretinha,
você complica as coisas. Aposto que tá encanada, achando que tem treta no meio,
tem nada não. É o seguinte: você sabe que eu sou o único negão da segurança da
diretoria, né? Sem privilégios, porque esse povo não dá mole pra preto,
conquistei o posto na manha, na competência.
– Tá, pretinho,
eu sei.
– Então, como eu
sou o mais antigo do grupo, o chefe novo da segurança achou que eu merecia um
lugar de destaque. Ele me mudou de lugar, da recepção da diretoria pra garagem.
O serviço é de maior responsabilidade. Eu fico atrás das pilastras de botuca
nos carros que chegam. Nunca se sabe se alguém vai tirar uma arma pesada do
porta-malas, é minha função observar o movimento de quem chega. Mas o chefe
achou que um negão como eu, todo de preto, poderia não ser visto por algum
carro e pra minha própria segurança, ele comprou, do bolso dele, essa faixa pro
meu uniforme.
– Oh meu amor,
meu querido e ingênuo amor, e você trabalha com isso afixado na roupa?
– Claro! Você
acha que eu iria contrariar o chefe? Ainda mais que ele tá pensando no meu bem.
Não é toda chefia nova que considera funcionário antigo assim, não. Tô fazendo
o maior sucesso. Os colegas até me deram um apelido novo: “miss negão”.
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