Sexualidade das mulheres negras de Subúrbia



Por Cidinha da Silva

É desesperador assistir à sexualidade aviltada de Conceição, em Subúrbia: na FEBEM, na casa da patroa, pelo patrão, no emprego do posto de gasolina, pelo motoqueiro-juiz, no motel barato, pelo namorado. Aliás, ainda não assisti ao 4º capítulo e torço para que Conceição tenha mandado o Cleiton pastar. Trata-se de um estúpido que tentou estuprá-la como os homens anteriores, com os quais ela não tinha qualquer relação afetiva. Bom que, antes das telespectadoras, os autores demonstraram esse entendimento.

Tudo é alegoria, mas vamos combinar que essa menina precisa fazer o Orixá. Está na cara que o caso dela é de assentar o Orixá na cabeça. Obviamente, não é o Orixá, o causador dos problemas vividos por ela, mas será ele, fortalecido, alimentado, cuidado, que trará equilíbrio para a vida de Conceição.

Além da Conceição, de Érika Janusa, a Vera, de Dani Ornellas, me chama a atenção. Tanta beleza e exuberância aquela mulher esconde na leitura cega da bíblia e na freqüência aos cultos evangélicos. Quando o funk come em casa, ela chega a transpirar, a sentir calores, porque algo dentro dela grita com vontade de se entregar ao balanço da música como nos velhos tempos. Também me intriga a relação entre Vera e Cleiton, parece haver um segredo escondido ali.

A delicadeza de Conceição para fazer valer a própria vontade é admirável. A situação do capítulo III é emblemática. Cleiton tenta dar um dinheirinho à Conceição para custear sua saída com os pais, justamente no dia em que vão registrá-la como filha. No dia de seu novo nascimento, o namorado intenta comprar a liberdade da menina, como os homens fazem, desde muito tempo. Cleiton deve ter aprendido com os mais velhos, nos bares, no trabalho. Eles partem do princípio de que as mulheres devem ser compradas cotidianamente com pequenos agrados, inclusive dinheiro, coisa importante para demarcar terreno como dono-provedor. O caminho fica pavimentado para a cobrança a ser paga com favores e caprichos sexuais. Conceição, mesmo tendo pouca experiência em relacionamentos afetivo-sexuais rejeita o dinheiro de pronto e deseja conseguir os próprios recursos, oriundos do trabalho.

A sexualidade de Conceição não é vivida no campo do prazer, é, no máximo, um prêmio para ser entregue ao homem amado. Depois que Cleiton a salvou do motoqueiro-juiz, ela confessa à santinha que pensa em fazer amor com ele. Conceição dança o funk sensualmente, apenas isso. O sexo, o ato sexual, são coisas muito distantes dela. Estão na cabeça dos caras, sequer na cabeça das outras meninas que disputam com ela o lugar de serem olhadas, desejadas, alçadas ao posto de rainhas.

Lembro-me do final dos anos 90, início dos 2000, quando muitas meninas eram estupradas de madrugada ou de manhã, depois dos bailes de pagode, em Salvador. Elas dançavam sensualmente com e para os homens, a noite toda, e, caso seguissem a própria vontade, parariam por ali. Os machos indômitos, entretanto, alegavam que elas os tinham excitado a noite inteira e pela manhã, não tinha escapatória, teriam que saciar as necessidades fisiológicas deles. E os estupros aconteciam em becos, na capota de carros, nas curvas dos bailes, dentro dos carros dos mais aquinhoados.

A sexualidade de Conceição representa, em larga medida, o que é vivido por meninas e mulheres negras, às quais tem sido negado o direito de apropriação do corpo.

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